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Amiga do silêncio?

Written by Gabriella Maciel Ferreira | 11/4/22 6:13 PM

Quando se tem um transtorno mental, são muitas as vezes que as pessoas se acham no direito de lhe dar dicas ou conselhos de como lidar com seus problemas – embora costumeiramente não entendem bem as coisas que sinto, uma vez que apenas conseguem compreender o que experienciam.

Tipo assim. Por ter ansiedade, o silêncio é o tipo de coisa que me deixa particularmente nervosa. Imagine só você que, sendo ansiosa, minha mente tem dificuldade de parar! Então, ao me deparar com o silêncio, ao invés de considerá-lo uma boa oportunidade de introspecção e relaxamento, um momento de paz… eis que minha mente vê o silêncio como uma oportunidade de me apresentar tudo o que eu venho tentando ignorar há um certo tempo – digamos, o dia inteiro – fazendo coisas, ouvindo músicas, conversando e me mantendo ocupada o suficiente para não pensar nas besteiras e cenários caóticos que a ansiedade cria por diversão.

Mas basta anoitecer, as casas apagarem as luzes, os carros irem pros estacionamentos e as pessoas desligarem os celulares para dormir que surge o silêncio, cada vez mais presente, a preencher o cômodo como se pesasse uma tonelada.

E então, eu paro, respiro fundo e penso “vou relaxar agora”. Mas minha mente ansiosa se opõe à minha decisão e, como se travasse uma luta bárbara comigo mesma, diz “ei! Como assim, relaxar? Você não está preocupada?”. Eu balanço a cabeça, como que dispersando o pensamento e ponho-me a ler um livro… momento de relaxamento, não de pensar besteiras.

Quando dou por mim, estou presa relendo a mesma sentença pela terceira vez porque um pensamento ansioso e catastrófico insiste em atrapalhar a leitura leve e substituir o cenário fantasioso da casinha à beira-mar por um desastre prestes a acontecer na minha cozinha.

Depois de muita luta comigo mesma, marco a página, fecho o livro e vou até a cozinha, conferir se está tudo fechado, se não tem gás escapando do fogão ou nenhuma tomada está pegando fogo…

Volto pro quarto e decido que a leitura não está funcionando… resolvo desenhar. Abro o caderno, aponto e espalho os lápis pela mesa, começo a rabiscar e… de repente, a vozinha que reconheço bem recomeça a ladainha… “mas você está desenhando? Não está preocupada?”. Tento ignorar e continuo a rabiscar… “nossa, que desenho feio. Você não vai mostrar isso a ninguém, vai?”. Fecho o caderno, irritada comigo mesma por me cobrar em algo que deveria ser um momento de diversão.

Resolvo acender uma vela aromática. Fico observando a chama trepidando pra lá e pra cá e me pego pensando que talvez, só talvez, se sentisse mais de perto o fogo, poderia entender melhor do que é feito. Se chegasse mais perto, sentiria a sua paz. Percebo que estou novamente com pensamentos intrusivos e, se chegar mais perto, a única coisa que acontece é que vou me queimar… apago a vela, frustrada comigo mesma por pensar besteira até mesmo acendendo uma vela.

A noite não está nada fácil para essa ansiosa.

O som do silêncio invade meus tímpanos até parecer ensurdecedor e coloco uma música para tocar baixinho, só para quebrar esse transe.

Olho para o relógio e vejo as horas: três da manhã do domingo. “Você já deveria estar dormindo”, penso. Veja só que ironia! A mesma voz que me impediu de dormir, é agora a voz que cobra por eu não ter ainda dormido!

Mas não estou com sono e ir para a cama seria apenas mais um episódio de tortura.

Então ligo o computador e abro a pasta de documentos. Já que estou acordada mesmo, decido ser útil e organizar minha caixa de entrada de e-mails. Aproveito e escrevo um artigo que estava há alguns dias atrasado e confiro as tarefas da próxima semana. “Quem resolve trabalhar às três da madrugada do domingo?”, a voz zomba de mim.

Entro no WhatsApp e vejo que tem uma amiga acordada. Digito uma mensagem dizendo que estou com insônia e o quanto acho chato as madrugadas silenciosas. Ela me diz para parar de olhar para o silêncio como algo ruim e passar a enxergar nele paz e tranquilidade.

Eu mando uma figurinha de dúbia interpretação porque, embora isso seja impossível para mim, sei que ela falou pensando com boa intenção.

São quase quatro horas da manhã e o único som que ouço é o do teclado do notebook, enquanto escrevo esse texto, numa tentativa de dominar a voz ansiosa que tanto me impede de dormir. Não sei se consigo me tornar amiga do silêncio, enquanto a voz ansiosa existir dentro de mim… mas sei que terei material contundente para a próxima sessão de terapia, pelo menos.

(Gabriella Maciel)