Ao longo dos anos, acumulei algumas marcas da vida. Algumas delas são, literalmente, marcas; linhas e protuberâncias que se destacam na pele e são registro da história que carregam; queloides e desenhos que fazem parte da minha vida, de quem sou e das decisões que tomei – boas ou ruins, como for.
Quando eu era ainda uma criança e tive a primeira paixão não correspondida, lembro da minha mãe dizer que “tudo bem filha, eu sei que agora dói que parece demais de suportar… mas o tempo cura todas as feridas”. Realmente, não precisou nem de muito, e o tempo curou essa ferida como cura corte de papel no dedão. Algumas outras feridas, nem todo tempo do mundo (ou pelo menos todo tempo da minha vida) foram capazes ainda de curar.
A primeira vez que chorei até dormir, a primeira vez que estive tão desgostosa da vida que me agredi, a primeira vez que escolhi vestir calças deliberadamente porque queria esconder as marcas que me causei… a primeira vez que a raiva que senti de mim mesma era tão dilacerante que a garganta não aguentou só gritar… a primeira vez em que o chão pareceu faltar sob meus pés e eu sabia que não seria capaz de voar; a primeira vez que senti o mundo desabar e a dor era tamanha que eu não suportei… e todas as vezes seguintes… me causaram marcas que nem a vida, nem o tempo, nem eu mesma fui capaz ainda de curar.
Não sei dizer exatamente quando foi que a “ficha caiu” e eu entendi que isso de o tempo curar todas as feridas não era assim tão verdade… ou que isso, na verdade, pouco importava!
Eu já consegui entender que não, nem tudo o tempo pode curar, não importa quanto tempo passe! Existem brigas em que ouvi e disse frases que nunca poderei esquecer. Existem cenas que não poderei nunca apagar. Existem cicatrizes que marcam minha vida – e meu corpo – e que nunca vão desaparecer, não importa o quanto eu esconda, passe remédio, coloque curativo ou tente maquiar.
As marcas do sentir vão estar sempre lá, e eu sei. Eu sou a que mais sei, afinal de contas, eu estive lá quando elas aconteceram, eu sei porque e como aconteceram, eu sei o que senti, como me senti, sei o que se passava na minha cabeça, sei o quanto inadequada e inapta me senti, sei o quanto eu deseja não ter sentido ou feito nada daquilo, sei o quanto me maldisse por ter feito, sei o quanto desejava ter feito diferente, caso me fosse dado a chance, sei que, mesmo assim, voltei a fazer a mesma coisa, tantas outras vezes… mesmo odiando a mim mesma por fazer.
A terapia – e não o tempo – me ajudou, não a curar, mas sim a lidar com minhas cicatrizes, minhas marcas do passado, minha história e o fato de que sou quem sou, não dá para ser diferente.