Para quê tanto drama?
amar.elo saúde mental 11/4/22 3:54 PM Gabriella Maciel Ferreira 4 min de leitura
Certas coisas são ditas no calor do momento. No furor apaixonante do segundo de ação. Você mal pensa e já cospe a fala, com a agressividade de quem carrega o peso do mundo nas costas e está cansado há mais de uma década.
Deveríamos, mas mal sabemos que, invariavelmente, quem está do outro lado, ouvindo a fala, pode ter uma bagagem diferente, um contexto variado, um sentir próprio, uma dor particular. E aquilo que foi dito como ao acaso, pode ser como um gatilho.
Sabe quando dizem que palavras podem ser usadas como armas? Imagine então que, ao menosprezar o sentimento de alguém, você puxou o gatilho de uma espingarda. E a mira foi certeira. Bastou uma bala apenas para acertar o alvo: a pólvora contida no amargo de suas palavras preencheu a mente e o mundo de outro alguém, que vinha lutando com as fagulhas da própria história, e agora não sabe mais como conter a explosão.
Ficou complicado de entender? Deixa que eu explico.
Eu sou Elo e, aos 15 anos, fui diagnosticada com Transtorno de Ansiedade. A famosa ansiedade, que a mídia tanto fala erroneamente sobre.
Depois de muitos anos de tratamento psiquiátrico e acompanhamento psicológico, consegui manter um equilíbrio mínimo necessário para viver de acordo com os padrões impostos pela normalidade - a tal da normose social.
De repente, cá estou eu, beirando os 30 e galgando espaço dentro da empresa em que trabalho, e que muito gosto de trabalhar. Vivendo minha vida, conquistando meus objetivos, lutando com os obstáculos, como todo o resto do mundo.
Eis que, certo dia, meu gestor me chama para uma reunião de equipe em sua sala, porque diz ter um assunto urgente para resolver.
Enquanto conversava com toda a equipe, meu gestor começou a pontuar questões de atrasos em alguns projetos de clientes, especificamente para cada um de nós do time. Sabendo como estava minha situação, imediatamente já me senti como dentro de uma bolha gosmenta de ansiedade, esperando minha vez de ser retaliada.
– Elo, você está ouvindo o que estou dizendo?
– Estou, sim, senhor. É que confesso que esse cliente tem me deixado um tanto quanto ansiosa. Não sei lidar com o jeito um tanto quanto grosseiro dele de falar, e sempre que vou trabalhar neste projeto, fico com os nervos à flor da pele.
– Mas você sabe que o projeto está com o cronograma atrasado, não sabe?! Você precisa dar um jeito nisso.
– Sim, eu sei disso. Será que você não teria como nomear alguém para lidar com esse cliente nas reuniões? Não me sinto segura com ele.
– Nossa Elo, mas para quê tanto drama? Entra por um ouvido, sai pelo outro. Te vira.
Confesso que, a partir de então, nada mais entrava por ouvido nenhum. Na minha mente, foi como se a sala toda se preenchesse de um breu completo. Nada se via, nada se ouvia, nada se sentia. Apenas o vácuo total. O espaço e a falta. Era tudo o que eu podia experienciar.
Aquele gestor, alguém a quem tinha tanto em conta, tinha dito na frente da equipe toda que eu era dramática. Tinha menosprezado meus sentimentos e tratado minha dificuldade como se nada fosse. Mas para mim, era. Era algo e era algo muito grande.
Para mim, não era um comentário insignificante, uma frase solta no ar, um mero detalhe. Para mim, aquilo foi como aquele tiro de escopeta direto no peito - ou na mente, talvez? A pólvora logo entrou em contato com todos os anos no passado, com todas as experiências ruins, com todas as vezes em que fui chamada de dramática por pessoas que simplesmente não podiam entender a minha dor. Todas as vezes que fui taxada como “louca” apenas por sentir as coisas de maneira diferente do dito cujo “normal”.
Entrei imediatamente num buraco de minhoca do desespero. O mundo se apagou na minha mente e só existia ali a minha vergonha. A minha única vontade era de desaparecer por completo. Entrar num foguete e me jogar no espaço sideral para vagar por anos sem fim, até que todos esquecessem da minha existência. Até que pudesse suportar o peso de ser eu, de sentir o que sinto, de pensar como penso.
Acho que ninguém viu quando uma única lágrima rolou pelos meus olhos e caiu com a força de um tornado no caderninho que segurava com força - manchando inclusive as anotações manuscritas, tão bem desenhadas com minha caligrafia cuidadosa.
Ninguém ali queria resolver aquele problema mais do que eu. Mas naquele momento, não tinha forças nem mesmo para respirar. E, de fato, minha respiração ficou um pouco entrecortada.
– Elo, você está aí? - perguntou novamente o gestor, finalmente notando meu estado meio catártico.
Eu havia entrado em parafuso. Não conseguia respirar, não conseguia falar, não conseguia pensar em outra coisa senão sumir completamente da face do mundo, parar de sentir-me daquele jeito.
Uma amiga que também participava da reunião, percebeu o que estava acontecendo e alertou a todos:
– Ela tem ansiedade, deve estar em crise. Peraí.
Chegou mais perto, sentou-se ao meu lado, gentilmente segurou minhas mãos e pediu para que respirasse junto com ela. Foi fazendo o exercício de respiração que tinha lhe ensinado há alguns meses e conversando comigo até eu conseguir me tranquilizar.
Logo em seguida, liguei para minha psicóloga e marquei uma consulta de emergência. Juntas, traçamos um plano para lidar melhor com o cliente em atraso com que eu vinha tendo tanta dificuldade e, com a ajuda dessa amiga, consegui cumprir o projeto.
Fato é que todos nós somos diferentes uns dos outros. Alguns, ligam menos para as questões emocionais, outros sentem as coisas de forma mais intensa. Não existe certo ou errado, bom ou mal, o que existe, no final das contas, são formas diferentes de ver o mundo. E é preciso que possamos entender e respeitar todas elas, para que ninguém sinta como se não pertencesse, como um estranho com a mente incendiada.
Para que possamos todos bem viver e conviver, é essencial que tomemos cuidado com nossas palavras - que possamos todos cuidar uns dos outros - e que a comunicação seja sempre um ato de empatia, nunca de ativação de gatilhos.
Afinal de contas, somos todos responsáveis pelo bem dos que estão ao nosso redor.
(Gabriella Maciel Ferreira)